
Aforismos
Sou Alessandra, antropóloga, praticante e professora de yoga, estudante de psicanálise e uma curiosa nata. Adoro escrever e aqui deixo alguns pensamentos, rascunhos, ideias soltas sobre assuntos que pulsam em meu coração e fervilham em minha mente.
Um ásana é apenas um ásana
Escuto muito: “Quero fazer tal asana.” Asana = postura de yoga”. Ou com um quê inatingível: “Queria tanto fazer aquela postura”.
Eu mesma já me peguei inúmeras vezes desejando aquela postura. O desejo sempre vem acompanhado de uma comparação, de uma imagem de perfeição, de um fetiche pelo objeto. Ser a postura. Nem que seja por um instante, eternizada pela foto perfeita.
Nada demais desejar, colocar um objetivo, ter um referencial de onde quer chegar. Porém, pergunto: para que? Eu lhe pergunto – para que desejar um asana? O que mobiliza esse desejo?
Um ásana é só um ásana. Ele vem, as vezes não vem, as vezes vem e se perde, as vezes se perde e volta.
Conquista-se o ásana. Ainda é desconfortável, trabalha-se para se sentir confortável. Aperfeiçoa-o até ficar lindo. Perfeito. A infernal experiência cede a quietude do respirar. Acontece suavemente, sem qualquer dificuldade, respira-se amplamente.
Delícia. Sinto-me pleno. Tédio, isso não tem mais graça. De uma hora para outra. Sem aviso prévio. O mistério se desfaz e abre lugar para o ordinário.
Qual é o próximo? Quero outro ásana para conquistar. Para devorar e depois descartar. Quando vemos percorremos o “sansara do ásana”. Passam anos, as vezes apenas meses, e a novidade deixa de ser interessante. Aquilo que te mobilizava deixa de ser tão excitante. A atenção já não está na execução da postura. Afinal ele acontece sem sacrifício, torna-se mecânico. A atenção vai para os pensamentos que cortam sua mente durante a prática. Tédio. Sempre a mesma sequência, os mesmos ásanas, a mesma história.
Tem algo errado. O professor não funciona mais, o estilo da yoga não me preenche, é difícil arrumar tempo, muito caro, a conjunção astral não permite, tá pesado, preciso disso, daquilo. À cada resposta são tantos os porquês.
Bom, se a intenção está na execução do asana, é possível que a yoga seja uma passagem em sua vida. Agora, se o processo de chegar ao asana lhe faz enxergar seus gatilhos e pensamentos limítrofes, se o encaixe da respiração lhe faz realizar que você pode relaxar mesmo diante das adversidades, se esse processo lhe faz acessar partes de si que não consegue enxergar, se o importante é respirar e ter um momento em que seus pensamentos lhe dão uma trégua e você se funde com o simples fato de poder se movimentar e respirar. E se por todos outros motivos que promovem o sem profundo bem-estar, é possível que você esteja para além da postura = ásana.
Não se iluda. Praticantes experientes e novatos sempre se perdem nesse jogo de formas. Patanjali, que organiza os ensinamentos do yoga em 8 passos, mais conhecido como Asthanga Yoga de Patanjali, já estabelece que sem yamas (preceitos éticos) e niyamas (preceitos morais) a pratica não se firma em solo fértil.
Olhar honestamente para o que mobiliza é fundamental para alinhar expectativas e, inclusive, reconfigurar rotas. Fazer um ásana adequadamente é importante, mas após um tempo de prática é importante refinar os pressupostos que embasam sua prática.
Mergulhar na profundidade do yoga é o caminho para burlarmos apenas a beleza das formas e mergulharmos na essência que sustenta a forma.
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